quarta-feira, 11 de julho de 2007

Proposta de actividades

De acordo com o Bloco 2 do programa do 1º C.E.B, na área programática de Estudo do Meio- À descoberta dos outros e das Instituições, o conto intitulado de "Revolução" poderia ser utilizado como motivação inicial para introduzir o tema "25 de Abril". Através deste, os alunos identificariam elementos relativos à história de Portugal, conheciam personagens relevantes do passado nacional.
Introduzimos, neste blogue, alguns contos que permitem que o aluno conheça o ambiente natural que o cerca (Bloco 3 - À descoberta do ambiente natural). Através de contos como "Lenda da Serra da Estrela" e "Lenda dos três rios", os alunos identificariam a maior elevação de Portugal Continental assim como reconheceriam os maiores rios de Portugal.
Existem ainda, exercícios de compreensão do texto nos seguintes contos: "O azeiteiro e o burro", "Revolução", "Singularidades de uma rapariga loura".
Em todos estes contos, o professor pode pedir aos alunos, em termos de compreensão oral e escrita, a participação em grupo na elaboração de histórias baseadas em contos lidos, a identificação das personagens intervenientes, a recolha de mais produções do património oral (lengalengas, contos, lendas...), o registo desse mesmo património para o conservar e transmitir, pode eventualmente pedir aos alunos para completar ou inventar enlaces diferentes para um mesmo conto. Com a recolha de textos, contos, lengalengas os alunos poderão elaborar uma pequena mediateca.
Alguns contos, abordam ainda temas relacionados com a fauna e flora, sendo este um conteúdo programático importante, os alunos terão a oportunidade de identificar elementos básicos do meio físico envolvente, outros abordam temas diversos que despertam a atenção e desenvolvem a imaginação das crianças. Algumas histórias podem ser também dramatizadas.
Importa salientar que, através das actividades apresentadas, as crianças aprendem de uma forma lúdica, utilizando a leitura com finalidades diversas (prazer e divertimento, fonte de informação, de aprendizagem e enriquecimento da língua).

Marta Pereira
Cristina Marques

terça-feira, 10 de julho de 2007

A gansa dos ovos de ouro


Certa manhã, um fazendeiro descobriu que sua gansa tinha posto um ovo de ouro. Apanhou o ovo, correu para casa, mostrou-o à mulher, dizendo:

_ Veja! Estamos ricos!

Levou o ovo ao mercado e vendeu-o por um bom preço.

Na manhã seguinte, a gansa tinha posto outro ovo de ouro, que o fazendeiro vendeu a melhor preço.

E assim aconteceu durante muitos dias.

Mas, quanto mais rico ficava o fazendeiro, mais dinheiro queria.

E pensou:

"Se esta gansa põe ovos de ouro, dentro dela deve haver um tesouro!"

Matou a gansa e, por dentro, a gansa era igual a qualquer outra.

Moral da história:

Quem tudo quer tudo perde.

João e Maria


Havia uma vez um lenhador muito, muito pobre, que vivia próximo a um enorme bosque com sua esposa e seus dois filhos. O menino se chamava João, e a menina, Maria. Sempre andavam escassos de tudo e chegou um dia que o lenhador não tinha sequer comida suficiente para dar à sua família. Certa noite, em que não conseguia dormir, acordou sua esposa para falar com ela: - Como vamos alimentar nossos filhos se nem sequer há bastante para os dois ?- disse-lhe.
- Eu lhe direi o que podemos fazer. - respondeu a mulher. - Amanhã cedo levaremos as crianças para a parte mais espessa do bosque, acenderemos uma fogueira e lhes daremos um pedaço de pão; logo, iremos trabalhar e os deixaremos ali sozinhos. Não poderão encontrar o caminho de volta para casa e nos livraremos deles.
- Não, mulher - disse o lenhador. - Me nego a fazer algo assim. Você por acaso acha que tenho o coração de pedra? Os animais selvagens sentiriam seu cheiro e os devorariam.
- Que bobo você é! - exclamou a mulher. - Então, o que fazemos? Morremos de fome os quatro? Muito bem, não façamos nada, mas então continue cortando madeira para fazer quatro ataúdes - disse, e não o deixou sossegado até que conseguiu convencê-lo. As crianças, que não podiam dormir por causa da fome, escutaram as palavras de sua madrasta. Maria se pôs a chorar: - Estamos perdidos - disse ao seu irmão. - Não - disse João. - Não tenha medo, encontrarei uma maneira de escaparmos.
Quando escutou seus pais roncarem, levantou-se e saiu pela porta de atrás. Era noite de lua cheia e as pedrinhas que havia na entrada da casa brilhavam como se fossem de prata. João pegou quantas cabiam nos bolsos. Logo voltou a entrar.

No dia seguinte, antes, que o sol saísse, a mulher despertou as crianças: - Levantem, vamos ao bosque cortar lenha! - disse, e deu a cada uma delas um pedaço de pão. - Aqui têm, para o café da manhã. E não comam tudo, porque não tem mais. Maria colocou os dois pedaços de pão no bolso seu casaco, pois João já tinha os bolsos cheios de pedrinhas. Dois minutos depois, começaram a andar. Depois de caminhar um trecho, João parou e olhou para a casa, movimento que repetia várias vezes. - João! - disse-lhe uma das vezes seu pai - O que está olhando? Não fique para atrás, você pode se perder.
Mas na verdade João nem sequer havia prestado atenção na casa; virava de costas para deixar cair uma pedrinha branca. Chegando à parte mais densa do bosque, o pai disse: - Agora, filhos, vão buscar lenha, eu vou acender uma fogueira para que vocês não tenham frio. João e Maria juntaram bastante lenha para fazer uma pilha do tamanho de uma pequena colina. Seu pai colocou fogo nela e no momento que começou a arder, foi a mulher que se dirigiu às crianças: - Agora se deitem junto da fogueira, crianças. Seu pai e eu vamos cortar lenha. Quando terminarmos, viremos buscá-los.

João e Maria se sentaram junto ao fogo, e ao meio-dia comeram seus pedaços de pão. Como estavam há muito tempo ali quietos, acabaram por dormir. Quando despertaram, já era de noite. Maria começou a chorar. João a consolou. - Vamos esperar que a lua esteja no alto do céu - disse ele - e encontraremos o caminho de casa.
Quando a lua apareceu, os dois seguiram o caminho que as pedras brancas marcavam. Caminharam toda a noite e ao amanhecer chegaram à sua casa. Chamaram à porta, e a madrasta abriu, dizendo: - Por que dormiram durante tanto tempo? Já estávamos pensando que não voltariam.
O lenhador, ficou muito alegre de ver seus filhos. Sua consciência não lhe deixara dormir. Mas os tempos de escassez não haviam acabado, e as crianças, em suas camas, voltaram a escutar uma conversa entre seu pai e sua mulher. - Já comemos tudo, só nos resta meia fogaça de pão. Temos que desfazer-nos das crianças. Desta vez as levaremos mais longe, para que não possam encontrar o caminho de volta. Não há outra maneira de nos salvarmos. O pai sentiu um grande peso no coração. "Preferia dividir com eles o pouco que nos resta", pensou, mas sabia que sua esposa não escutaria seus argumentos. Como as crianças estavam acordadas e ouviram a conversa, João se levantou enquanto os pais dormiam. Queria pegar pedrinhas, mas a porta estava fechada com chave e ele não pôde sair.

De manhã, a mulher acordou as crianças e deu um pedaço de pão para cada uma. João partiu o seu em migalhas, e enquanto se dirigiam ao bosque, ia jogando-as pelo caminho. O casal os conduziu mais longe que nunca, a um lugar em que jamais haviam estado. Voltaram a acender uma fogueira, e a mulher disse: - Sentem-se aí, crianças, e durmam. Nós vamos ao bosque cortar madeira. Voltaremos pela tarde, quando terminarmos.
Ao meio-dia, Maria dividiu com João seu pedaço de pão, tendo em vista que ele havia jogado o seu sobre o caminho. Depois dormiram. Passou a tarde, e ninguém foi buscar as crianças, que acordaram bem tarde da noite. - Não se preocupe - disse João, consolando sua irmã - Depois que sair a lua, poderemos ver as migalhas de pão que eu fui deixando cair, e encontraremos o caminho de casa.
Mas as crianças não puderam encontrar o caminho, pois os pássaros foram comendo as migalhas que João havia deixado . - Não importa - disse o menino à sua irmã - Já encontraremos a maneira de voltar.
Infelizmente, isso não foi possível. Andaram durante toda a noite e todo o dia seguinte, mas não puderam encontrar um caminho por onde pudessem sair do bosque. Passaram muita fome, pois só encontraram alguns feijões. No final do dia, estavam tão cansados, que se deitaram debaixo de uma árvore e dormiram. No terceiro dia desde que sairam da casa de seu pai, voltaram a caminhar, mas só conseguiam entrar cada vez mais no bosque. Ao meio-dia viram um bonito pássaro branco pousado em um ramo. Tão doce era o seu canto que pararam para escutá-lo. Quando terminou de cantar, levantou vôo diante deles.

As crianças o seguiram, chegando a uma casinha sobre a qual o pássaro pousou. Ao aproximar-se mais da casa, perceberam que era feita de pão e coberta de bolos, enquanto a janela era de açúcar cristalizado. - Finalmente poderemos comer! - exclamou João - Eu comerei um pouco do telhado, Maria, e você pode comer uma parte da janela. - disse, e quebrou um pedaço do telhado para prová-lo. Maria se aproximou da janela e começou a comê-la. Nesse momento, ouviu-se uma voz melosa, que vinha do interior da casa: "- Quem será que está comendo todo o doce da casinha? Irei depressa, correndo, dar-lhe-ei um bom tapinha."
As crianças responderam: "- Ninguém come seu docinho. Fique calma, minha bela. É apenas um ventinho soprendo pela janela."
E continuaram comendo sem se preocupar. De repente, a porta se abriu, e saiu uma senhora apoiada em uma bengala. Eles se assustaram tanto, que deixaram cair o que tinham nas mãos. A velhinha, fez um gesto com a cabeça e disse: - Oh, que bom, crianças! Passem e sentem-se comigo, não tenham medo. Segurou os dois pelas mãos e os levou para sua casa, dando-lhes uma deliciosa refeição: bolos, doces e frutas. Quando terminaram, perceberam que havia duas belas caminhas preparadas para eles e, logo que se deitaram começaram a dormir como benditos. A velhinha, na realidade era uma velha bruxa que havia seguido as crianças de muito perto. As bruxas têm olhos vermelhos e vista curta, mas tem o olfato muito desenvolvido, especialmente para cheirar humanos. Só construiu a casinha de pães para agarrá-los. - Já os tenho, agora não podem escapar! - ela pensava. De manhã cedo, antes que as crianças acordassem, a primeira coisa que a bruxa fez foi olhá-los. Ao ver suas bochechas rosadas, sorriu e pegou João para levá-lo ao estábulo, e o trancou lá. Logo voltou para buscar Maria e a despertou: - Levante, preguiçosa, e faça alguma comida para o seu irmão. Quando ele engordar, eu o comerei. Maria começou a chorar, mas sabia que não tinha outra solução senão fazer o que a bruxa ordenava. Prepararam uma magnífica refeição para o pobre João. Maria, contudo, só comeu conchas de caranguejo. Todas as manhãs, a velha bruxa de aproximava do estábulo. - João - chamava-o - ponha um dedo para fora, para eu ver como você está engordando. Mas João sempre colocava um osso, que a bruxa, que via muito, muito mal, confundia com um dos dedos do menino, sem entender por quê demorava tanto para engordar. Depois de um mês perdeu a paciência: - Maria! - chamou ela. - Vá colocar água no fogo. Não me importa que esteja magro, amanhã eu comerei o João. Maria não conseguia parar de chorar. - Meu Deus, ajude-nos! - dizia, enquanto pegava água.
De manhã cedo, Maria teve que sair para acender o fogo para esquentar a água. - Primeiro, prepararemos o pão - disse a bruxa.
- Já esquentei o forno e fiz a massa. - disse, empurrando Maria para o forno, de onde saíam enormes chamas. - Agora entra aí e olha se já está bastante quente para fazer o pão. Na verdade, o que a bruxa pretendia era fechar o forno enquanto Maria estivesse lá dentro, porque também queria comê-la no mesmo dia. Mas Maria percebeu suas intenções. - Não sei o que fazer, como entro?
- Estúpida! - reclamou a bruxa - Não está vendo que a porta é muito grande? Olha, até eu caberia nele - disse, aproximando-se do forno e colocando a cabeça dentro dele. Quando Maria viu que a velha colocava a cabeça, deu-lhe um empurrão e a bruxa caiu dentro do forno. Maria fechou a porta de ferro e correu o ferrolho. Como gritava a bruxa! Foi horrível, mas Maria saiu correndo, deixando que morresse miseravelmente. A menina foi procurar o irmão, abriu a porta do estábulo e chamou:- João, estamos livres, a bruxa morreu! João saiu do estábulo e eles festejaram por estarem livres finalmente! Como já não havia motivo para ter medo, entraram na casa e ali encontraram, caixas de pérolas e pedras preciosas. - São muito bonitas. - disse João, enchendo seus bolsos com elas. - Eu também quero levar algo para casa - disse Maria, e improvisou um cofre no seu avental. - Bem, agora vamos embora - disse João. - Nos afastemos do bosque das bruxas.
Jacob e Wilhelm Grimm

Os três cabritinhos

Era uma vez três cabritinhos travessos que costumavam pastar numa colina onde havia um capim bem verdinho. Para se chegar lá, porém, tinham que atravessar uma ponte embaixo da qual morava uma bruxa terrível e horrorosa, que tinha um nariz curvo e comprido e uns olhos enormes, bem arregalados.
Um dia, quando o sol já se ia escondendo, lá foram os cabritinhos travessos pastar. Na frente, vinha o cabritinho mais novo atravessando a ponte: Trip, trap, trip, trap...
- Quem está caminhando sobre a minha ponte? Rosnou a megera.
- Sou eu, o cabritinho caçula. Vou pastar lá na colina para ficar bem gordinho, disse o menor de todos, com um fiozinho de voz.
- Espera aí que já vou te devorar, respondeu a bruxa.
- Oh, não, por favor! Eu sou tão magrinho, disse o caçula. Espere um pouco, que já vem aí o meu irmão mais velho, ele é muito maior do que eu.
Ouvindo isto, a Bruxa resolveu esperar o outro cabritinho.
"Trip, trap, trip, trap..."
- Quem está passando na minha ponte?
- Sou eu, o segundo cabritinho. Vou pastar lá na colina, para engordar um pouco.
- Espera aí, já vou te comer.
- Por favor, dona Bruxa, deixe-me passar. Lá vem vindo o meu irmão mais velho. Ele é muito maior do que eu.
A Bruxa ficou esperando.
"Trip, trap, trip, trap..."
- Quem está passando aí na minha ponte?
- Sou eu, o maior dos cabritos.
- Espera aí, vou te comer todo de uma vez.
Mas, dessa vez a resposta foi bem diferente: - Venha, que sou bem valente! De bruxas não temo o berro. Pra isso, tenho bons dentes, E chifres que são de ferro!
A Bruxa tentou agarrar o cabrito, mas ele não perdeu tempo: avançou sobre ela, empurrou-a com os chifres e atirou-a dentro do rio que passava em baixo da ponte. Depois, calmamente, foi reunir-se aos irmãos, no pasto da colina. Os três cabritinhos engordaram tanto, que mal puderam voltar para casa. Quanto à bruxa, nunca mais se ouviu falar nela.
+ de Peter Christen Asbjornsen traduzido pela sra. Gudrun
Thorne-Thomsen (1873 - 1956), in East of the Sun and West on the Moon

Os músicos de Bremen


Um homem tinha um burro que, há muito tempo, carregava sacos de milho para o moinho. O burro, porém, já estava ficando velho e não podia mais trabalhar. Por isso, o dono tencionava vendê-lo. O pobre animal, sabendo disso, pôs-se a caminho da cidade de Bremen. "Certamente poderei ser músico na cidade", pensava ele.
Depois de andar um pouco, encontrou um cão deitado na estrada, arfando de cansaço. - Por que estás assim tão fatigado? perguntou o burro.
- Amigo, já estou ficando velho e, a cada dia, vou ficando mais fraco. Não posso mais caçar, por isso meu dono queria matar-me. Então, fugi, mas não sei como ganhar a vida. - respondeu-lhe o cão.
- Pois bem! - lhe disse o burro. - Minha história é bem semelhante à sua. Vou tentar a vida como músico em Bremen. Venha comigo. Eu tocarei flauta e você poderá tocar tambor.
O cão aceitou o convite e seguiu com o burro. Não tinham andado muito, quando encontraram um gato, muito triste, sentado no meio do caminho. - Que tristeza é essa, companheiro? lhe perguntaram os dois
- Como posso estar alegre, se minha vida está em perigo? - respondeu o gato. - Estou ficando velho e prefiro estar sentado junto ao fogo, em vez de caçar ratos. Por esse motivo, minha dona quer me afogar.
- Ora, venha conosco a Bremen. - propuseram os outros. - Seremos músicos e ganharemos muito dinheiro.
O gato, depois de pensar um pouco, aderiu e acompanhou-os. Foram andando até que encontraram um galo, cantando tristemente, trepado numa cerca. - Que foi que lhe aconteceu, amigo? perguntaram os três.
- Imaginem - respondeu o galo - que amanhã a dona da casa vai ter visitas para o jantar. Então, sem dó nem piedade, ordenou ao cozinheiro que me matasse para fazer uma canja.
Os outros, então, lhe propuseram: - Nós vamos a Bremen, onde nos tornaremos músicos. Você tem boa voz. Que tal se nos reunissemos para formar um conjunto? - O galo gostou da idéia e juntou-se aos outros.

A cidade de Bremen ficava muito distante e eles tiveram que parar numa floresta para passar a noite. O burro e o cão deitaram-se em baixo de uma árvore grande. O gato e o galo alojaram-se nos galhos da árvore. O galo, que se tinha colocado bem no alto, olhando ao redor, avistou uma luzinha ao longe, sinal de que deveria haver alguma casa por ali. Disse isso aos companheiros e todos acharam melhor andar até lá, pois o abrigo ali não estava muito confortável. Começaram a andar e, cada vez mais, a luz se aproximava. Afinal, chegaram à casa. O burro, como era o maior, foi até a janela e espiou por uma fresta. À volta de uma mesa, viu quatro ladrões que comiam e bebiam. Transmitiu aos amigos o que tinha visto e ficaram todos imaginando um plano para afastar dali os homens. Por fim, resolveram aproximar-se da janela. O burro colocou-se de maneira a alcançar a borda da janela com uma das patas. O cão subiu nas costas do burro. O gato trepou nas costas do cão e o galo voou até ficar em cima do gato. Depois, a um sinal combinado, começaram a fazer sua música juntos: o burro zurrava, o cão latia, o gato miava e o galo cacarejava. A seguir, quebrando os vidros da janela, entraram pela casa a dentro, fazendo uma barulhada medonha.

Os ladrões, pensando que algum fantasma havia surgido ali, saíram correndo para a floresta. Os quatro animais sentaram-se à mesa, serviram-se de tudo e procuraram um lugar para dormir. O burro deitou-se num monte de palha, no quintal; o cão, junto da porta, como a vigiar a casa; o gato, junto ao fogão, e o galo encarapitou-se numa viga do telhado. Como estavam muito cansados, logo adormeceram. Um pouco além da meia noite, os ladrões, verificando que a luz não brilhava mais dentro da casa, resolveram voltar. O chefe do bando disse aos demais: - Não devemos ter medo! - E mandou que um entrasse primeiro para examinar a casa. Chegando à casa, o homem dirigiu-se à cozinha para acender uma vela. Tomando os olhos do gato, que brilhavam no escuro, por brasas, tentou neles acender um fósforo. O gato, entretanto, não gostou da brincadeira e avançou para ele, cuspindo-o e arranhando-o. Ele tomou um grande susto e correu para a porta dos fundos, mas o cão, que lá estava deitado, mordeu-lhe a perna. O ladrão saiu correndo para o quintal, mas, ao passar pelo burro, levou um coice. O galo, que acordara com o barulho, cantou bem alto: "Có, có, ró, có!" Sempre a correr, o ladrão foi se reunir aos outros, a quem contou:- Lá dentro há uma horrível bruxa que me arranhou com suas unhas afiadas e me cuspiu no rosto. Perto da porta, há um homem mau que me passou um canivete na perna. No quintal, há um monstro escuro, que me bateu com uma tranca (barra) de pau. Além disso tudo, no telhado está sentado um juiz, que gritou bem alto: "Traga aqui o patife!" Acho que não devemos voltar lá!

Depois disso, nunca mais os ladrões voltaram à casa, e os quatro músicos de Bremen sentiam-se muito bem lá, onde faziam suas músicas e viviam despreocupados.
Fonte: O Mundo da Criança - Histórias de Fadas (Vol.3), 1949, Ed. Delta.
Imagem 1: Published in Fairy Tales by the Brothers Grimm
(Henry Altemus, 1898)

João e o pé de feijão

No tempo do Rei Alfredo, muito longe de Londres, vivia uma pobre viúva. Ela tinha um único filho, muito rebelde e extravagante. Aos poucos, ele gastou todo o dinheiro que ela possuia. Um dia, censurou-o: - Filho malvado! Não tenho mais dinheiro nem sequer para comprar um pedaço de pão. Só o que me resta é a minha pobre e velha vaca.
João amolou a mãe para vender a vaca e ela acabou consentindo. Quando ele ia levando o animal, encontrou um açougueiro que lhe propôs trocar a vaca por uns grãos mágicos de feijão que ele levava no chapéu. João, julgando ser uma grande oferta, aceitou a proposta. Quando sua mãe viu os feijões por que ele havia trocado a vaca, perdeu a paciência. Apanhou os grãos de feijão, atirou-os para fora da janela, e pôs-se a chorar. João tentou consolá-la, mas não o conseguiu. Como não tinham nada para comer, foram deitar-se com fome.
No dia seguinte, João acordou cedo e viu que alguma coisa estava fazendo sombra na janela de seu quarto. Levantou-se e foi ao jardim. Aí verificou que os grãos que sua mãe havia atirado pela janela, tinham germinado e o pé de feijão crescera surpreendentemente. As hastes eram grossas e tinham-se entrelaçado como uma trança. Estavam tão altas, que davam a impressão de alcançarem as nuvens. João, que gostava de aventuras, resolveu trepar na árvore que se formara, até atingir o alto. Depois de algumas horas subindo, chegou a um país estranho. Ali encontrou uma bonita moça, com sorriso encantador, que lhe perguntou como havia chegado lá . - Você se lembra de seu pai? Perguntou-lhe a moça.
- Não! Mamãe sempre chora quando falo nele e não me diz nada, respondeu ele.
- Sou a fada protetora de seu pai. As fadas estão sujeitas a leis, como os homens, e quando erram perdem o seu poder por alguns anos. Eu estava incapaz de ajudar seu pai quando ele mais precisou de mim e por isso ele morreu.
A fada parecia tão triste que João, comovido, pediu-lhe que continuasse a falar. - Seu pai era muito bondoso, continuou ela. Tinha boa esposa, empregados fiéis e muito dinheiro. Teve, porém, um amigo falso, um gigante que ele havia ajudado e que, o matou e roubou tudo o que ele tinha. Também fez sua mãe prometer que nunca lhe contaria nada, sob pena de matá-los também. Eu não pude ajudá-la. Meu poder só reapareceu no dia em que você foi vender sua vaca. Fui eu que fiz você trocar a vaca pelos feijões. E fiz o pé de feijão crescer tão depressa. O malvado gigante vive aqui e você deve livrar o mundo deste monstro. Pode apossar-se legalmente de sua casa e de suas riquezas, porque tudo pertencia a seu pai e é seu, mas não deixe sua mãe saber que você está a par desta história.
João perguntou-lhe o que devia fazer: - Vá seguindo por esta estrada até encontrar uma casa grande, parecida com um castelo. É aí que o gigante vive. Aja de acordo com seu próprio modo de pensar. Boa sorte!
A fada desapareceu e João caminhou até o sol se pôr. Com alegria, avistou a casa do gigante. Uma mulher de aparência simples estava à porta. Ele pediu-lhe um pedaço de pão e um lugar para dormir. Ela ficou muito surpresa e disse que não era comum aparecer ali um ser humano. Seu marido, um gigante poderoso, não gostava de pessoas rodando perto de sua casa e ficava muito bravo... João ficou amedrontado, mas insistiu para que ela o deixasse passar a noite lá, escondendo-o do gigante. Finalmente, ela concordou. Entraram e ela lhe deu de comer e beber. De repente, ouviram uma batida forte na porta, que fez a casa estremecer. - É o gigante, disse a moça. Se ele o vir aqui, o matará e a mim também. Que farei?
- Esconda-me no forno, pediu João. O forno estava apagado e João entrou nele bem depressa. De lá ouvia o gigante gritar com a mulher. Depois, sentou-se à mesa. João espiou por uma fenda no fogão e ficou horrorizado ao ver a quantidade de comida que ele ingeria. Quando terminou, virou-se para trás e gritou para a sua mulher, com uma voz de trovão: - Traga a minha galinha!
Ela obedeceu e colocou sobre a mesa uma bela galinha. - Ponha um ovo! ordenou ele.
Imediatamente, a galinha pôs um ovo de ouro. - Ponha outro! continuou ele.
Cada vez que assim ordenava, ela punha um ovo maior do que o outro. Durante muito tempo, assim se divertiu com a galinha. Depois mandou a mulher para a cama e sentou-se perto da lareira, onde adormeceu, roncando alto. Assim que ele dormiu, João saiu do forno, agarrou a galinha e fugiu com ela. Correu pela estrada até encontrar o pé de feijão, pelo qual desceu rapidamente. Sua mãe ficou cheia de alegria ao vê-lo. Ela pensara que lhe tivesse acontecido alguma coisa. Ele lhe contou toda a aventura, sem todavia falar no nome do pai. Mostrou-lhe a galinha, à qual ordenou várias vezes: "- Ponha um ovo!" e ela pôs quantos ovos ele desejou. Vendidos esses ovos, João e sua mãe ficaram com tanto dinheiro, que viveram felizes por muitos meses.
Um dia, ele resolveu fazer nova visita ao gigante, a fim de trazer mais riquezas. Arranjou uma roupa que o disfarçava e pintou o rosto com uma tinta escura. Levantou-se muito cedo, antes que a mãe acordasse e subiu pelo pé de feijão. Caminhou o dia todo e chegou à casa do gigante ao escurecer. Encontrou a mesma mulher à porta e pediu-lhe que lhe desse de comer e um lugar para dormir. Ela lhe contou que o marido era um gigante poderoso e cruel, e que um dia, ela dera abrigo a um menino pobre e faminto que, ingrato, roubara um dos tesouros do gigante. O marido culpara-a por isso e, desde então, começara a maltratá-la. João teve pena dela, mas insistiu. Afinal, ela levou-o à cozinha e, quando ele acabou de comer, escondeu-o num armário. O gigante chegou à hora de costume. Sentou-se junto à lareira e gritou: - Mulher, sinto cheiro de carne fresca. A esposa respondeu-lhe que os corvos tinham deixado um pedaço de carne crua no telhado. Enquanto ela preparava a ceia, ele esteve de mau humor, frequentemente culpando a esposa pela perda da galinha. Afinal, quando terminou a refeição, gritou: - Dê-me alguma coisa para distrair-me. Traga minhas sacas de dinheiro. A esposa trouxe-as, com dificuldade, porque estavam muito pesadas. Eram duas, cheias de moedas de ouro. Ela despejou-as na mesa e o gigante começou a contá-las com alegria. - Agora você pode ir para a cama, disse ele, e a mulher se retirou. De seu esconderijo, João via-o contando as moedas que tinham pertencido a seu pai e desejou possuí-las. O gigante colocou as moedas novamente nas duas sacas. Amarrou-as bem e colocou-as ao lado da sua cadeira. Seu cachorro estava ali de guarda. Daí a pouco, o gigante adormeceu e começou a roncar. Então, João saiu do esconderijo, mas, quando ia segurando as sacas de dinheiro, o cachorro pôs-se a latir. João parou, mas o gigante continuou a dormir profundamente. Neste instante, João viu um pedaço de carne e atirou-o ao cão, que parou de latir na hora. O menino aproveitou a ocasião para carregar as sacolas de moedas, colocando-as uma em cada ombro. Eram tão pesadas, que ele levou dois dias para descer pelo pé de feijão. Quando chegou a casa, deu à mãe todo o dinheiro. Eles estavam felizes como não eram havia muito tempo.
Durante três anos, João não visitou o gigante. Um dia, porém, começou a preparar-se para nova viagem. Arranjou um disfarce diferente e melhor do que o usado da última vez. Em uma manhã bem cedo, sem dizer nada à mãe, subiu pelo pé de feijão, chegando à casa do gigante ao anoitecer. Como de costume, encontrou a mulher em pé, na porta. João estava tão bem disfarçado que ela não o reconheceu. Mas, quando se disse muito pobre e faminhto, encontrou grande dificuldade em ser admitido. Depois de muito insistir, conseguiu que ela o escondesse num caldeirão grande de cobre. Quando o gigante chegou, disse furioso: - Sinto cheiro de carne fresca!!! Apesar de todas as desculpas que a esposa lhe dava, pôs-se a revistar tudo. Quando o gigante chegou ao caldeirão e pôs a mão na tampa, João considerou-se morto. Mal ele começara a levantar a tampa, mudou de idéia, deixando-a cair. Foi sentar-se perto da lareira, para devorar a grande ceia. Quando acabou, mandou a mulher trazer-lhe a harpa. João espiava pela tampa do caldeirão. O gigante colocou-a sobre a mesa e disse: - Toque!!! Imediatamente ela começou a tocar uma linda música e João desejou apoderar-se dela. O gigante não era apreciador de música e dormiu mais cedo do que de costume. João saiu do caldeirão, pegou a harpa e saiu correndo. Entretanto, a harpa era encantada e, assim que se viu em mãos estranhas, pôs-se a gritar alto: - Patrão!!! Patrão!!!

O gigante acordou, levantou-se e viu João correndo. - Foi você quem roubou minha galinha, meu dinheiro e agora vai levando minha harpa!!! Espere aí que eu vou pegá-lo e fazer picadinho de você!!! - ameaçou ele em seu vozeirão de trovão. Experimente!!! - desafiou João. Ele sabia que o gigante havia comido tanto que mal podia ficar de pé, imagine correr atrás dele. Num instante, João chegou ao pé de feijão e desceu o mais depressa que pode. Chegando em casa, encontrou sua mãe chorando. Ele a consolou e pediu-lhe que fosse buscar, depressa, uma machadinha. O gigante já vinha descendo e não havia tempo a perder. João cortou o pé de feijão bem na raiz. O gigante caiu de cabeça no jardim e morreu imediatamente. Nesse momento, apareceu a fada que explicou tudo à mãe de João.

Fonte: O Mundo da Criança - Histórias de Fadas, volume 3

A floresta zangada

Todos os animais estavam muito zangados!!

Os homens não paravam de destruir a floresta: cortavam árvores, deitavam lixo no chão, provocavam incêndios, poluíam os lagos e rios... Isto tinha de acabar!!

Nessa tarde, os pássaros foram avisar todos os habitantes da floresta para comparecerem numa reunião a ter lugar nessa noite, junto ao lago.

As árvores foram as primeiras a aparecer, desajeitadas e com grandes passos ruidosos. Afinal só andavam muito de vez em quando.

Quando todos estavam já reunidos, o Lobo, que era o presidente, começou o seu discurso:

- Amigos, isto está impossível!! Eu sugeria que pedíssemos ajuda às crianças e todos juntos arranjássemos uma solução!!

- Apoiado!! – gritaram uns.

- Boa ideia!! – exclamaram outros.

Decidiu-se então que na manhã seguinte, seriam mais uma vez as aves a dar as notícias a todos os miúdos da aldeia.

Quando o Pedro acordou viu um pássaro que lhe disse:

- Tens que nos ajudar a salvar a Floresta.

O menino não sabia porquê. A ave explicou-lhe que os homens andavam a destruir a Floresta.

O Pedro disse que tinham que avisar os outros meninos. Tinham que ir às casas deles.

À tarde, todos se reuniram junto ao lago.

O Lobo foi o primeiro a falar:

- Estamos muito tristes. A nossa casa está quase destruída!! Que havemos de fazer?

O Pedro teve uma ideia:

- Vamos destruir as casas dos homens para ver se eles gostam.

Todos os habitantes da floresta concordaram.

No dia seguinte, eles foram ao ataque. Claro que os homens não gostaram nada.

Quando viram as suas casas destruídas, perceberam que não deviam estragar a floresta. Pararam de cortar as árvores, de sujar o chão e os rios e de destruir as casas dos animais.

A partir desse dia, os homens, os animais e as árvores ficaram muito contentes.

A Lenda dos Três Rios

Era uma vez três rios que nasceram em Espanha. Chamavam-se Douro, Tejo e Guadiana. Estavam um dia a contemplar as nuvens e perguntaram-lhes donde vinham.

- Do mar - responderam elas. - É o nosso pai e o nosso avô.

- Onde fica o mar? - perguntaram os rios.

- Lá longe, em Portugal - responderam as nuvens.

- É grande?

- É, é muito grande.

- Havemos de ir ver o mar.

E combinaram que no dia seguinte iriam os três ver o mar. Assim fizeram.

O Guadiana acordou primeiro e lá foi calmamente, contemplando os montes e as belezas que o espreitavam, e escolhendo os caminhos por onde passava, ao chegar a Vila Real de Santo António parou maravilhado. O segundo foi o Tejo. Quando acordou já o sol ia alto. Começou a andar depressa, quase não escolhendo caminho, mas, quando entrou em Portugal, pensou lá consigo que já deveria ter muito avanço e lembrou-se de gozar as campinas e os montes, espreguiçando-se nas margens planas, antes de se lançar nos braços do avô. O Douro, quando acordou e se viu só, nem esfregou os olhos. Partiu à pressa por desfiladeiros e precipícios, não escolhendo caminho, nem pensando em gozar a natureza.

Assim foi ele que, muito sujo e enlameado, chegou em primeiro lugar. E assim é também que os nossos três rios mais importantes têm características diferentes.

A Lenda de Timor

  • Conta a lenda que há muito muito tempo, um crocodilo já muito velhinho vivia numa ilha da Indonésia chamada Celebes.

  • Como era muito velho, este crocodilo já não tinha forças para apanhar peixes, por isso estava quase a morrer de fome.

  • Certo dia, resolveu entrar terra adentro à procura de algum animal que lhe servisse de alimento. Andou, andou, andou, mas não conseguiu encontrar nada para comer.

  • Como andou muito e não comeu nada, ficou sem forças para regressar à água.

  • Um rapaz ia a passar e encontrou o crocodilo exausto. Teve pena dele e ofereceu-se para o ajudar a voltar. Então, pegou-lhe pela cauda e arrastou-o de volta à água.

  • O crocodilo ficou-lhe muito agradecido e, em paga, disse ao rapaz que fosse ter com ele sempre que quisesse ir passear pelas águas do rio ou do mar.

  • O rapaz aceitou a oferta e, a partir daquele dia, muitas foram as viagens que os dois amigos fizeram juntos.

  • A amizade entre os dois era cada vez maior, mas, um dia, a fome foi mais forte e o crocodilo pensou que comer o rapaz era a melhor solução.

  • Antes de tomar esta decisão, perguntou aos outros animais o que achavam da ideia. Todos lhe disseram que era muito ingrato da parte dele querer comer o rapaz que o tinha salvo.

  • O crocodilo percebeu que estava a ser muito injusto e ficou com muitos remorsos. Então, resolveu partir para longe, para esconder a vergonha.

  • Como o rapaz era o seu único amigo, pediu-lhe que fosse com ele. O rapaz saltou para o dorso do crocodilo e deixou-se guiar pelo mar fora.

  • A viagem já ia longa quando o crocodilo começou a sentir-se cansado. Já exausto, resolveu parar para descansar, mas, naquele momento, o seu corpo começou a crescer e a transformar-se em pedra e terra.

  • Cresceu tanto que ficou do tamanho de uma ilha. O rapaz, que viajava no seu dorso, passou a ser o primeiro habitante daquela ilha em forma de crocodilo.

  • E assim nasceu a ilha de Timor.

LENDA DAS MAIAS

Andavam os judeus à procura de Jesus para o matarem, quando um dia, à noitinha, o viram recolher numa humilde casa. Então, para poderem na manhã seguinte prender Jesus, penduraram um ramo de giestas no fecho da porta, a fim de não terem dificuldade em conhecer a cas em que ele dormira. Mas, por milagre, ao amanhecer, todas as portas estavam enfeitadas com ramos de giestas. E assim os Judeus, desorientados, não puderam descobrir Jesus. Ainda hoje há o costume de no dia 1º de Maio se enfeitarem as casas com giestas a que também se dá o nome de Maias por florirem em Maio.

Lenda da Serra da Estrela



"Era uma vez um jovem pastor que vivia numa longínqua aldeia. Por único amigo tinha um cachorrinho, que nas longas noites de solidão se deitava a seus pés sem esperar nenhum gesto, nenhuma palavra. Sofria este pastor de uma estranha inquietação: cismava alcançar uma Serra enorme que via muito ao longe, as terras que existiam para lá da muralha rochosa que constituía o seu horizonte desde que nascera. E muitas noites passava em claro, meditando nesse seu desejo infindável.

Certa noite em que se julgava acordado, sonhou que uma estrela descia até a si e lhe segredava que o guiaria até ao objecto dos seus desejos.

Acordou o pastor mais inquieto e angustiado que nunca, e procurou no céu a verdade do que sonhara. Lá estavam todas as estrelas iguais a si mesmas, imutáveis e eternas aparentemente. Mas estava também uma que lhe pareceu diferente, a mais sua. Passavam-se os dias e o desejo do pastor aumentava, fazia doer-lhe o corpo, ardia-lhe febril na cabeça. De noite, todas as noites, procurava no céu a sua estrela diferente. E em sonhos ela aparecia-lhe muitas vezes desafiando-o, desafiando-lhe sempre a vontade. Mas a vontade por vezes é tão difícil!!

Uma noite, num ímpeto, decidiu-se. Arrumou tudo o que tinha e era nada, chamou o cão e partiu. Ao passar pela aldeia o cão ladrou e os velhos souberam que ele ia partir. Abanaram a cabeça ante a loucura do que assim partia à procura da fome, do frio, da morte. Mas o pastor levava consigo toda a riqueza que tinha: a fé, a vida e uma estrela.

E o pastor caminhou tantos anos que o cão envelheceu e não aguentou a caminhada. Morreu uma noite, nos caminhos, e foi enterrado à beira da estrada que fora de ambos. Só com a sua estrela, agora, o pastor continuou a caminhar, sempre com a serra adiante, e à medida que caminhava a serra ia sempre ali, no mesmo sítio e à mesma distância. Passou todas as fomes e frios que os velhos lhe tinham vaticinado.

Atravessou rios, galgou campos verdes e campos ressequidos, caminhou sobre rochedos escarpados, passou dentro de cidades cheias de muros e gente, mas a montanha dos seus desejos nunca a baniu do coração. Por fim, já velho alcançou a muralha escarpada que desde a infância o chamava. Subiu até ao mais alto da serra e ali pôde então largar o desejo do seu coração, agora em paz e sem desejo.

O horizonte era vasto, tão vasto e maravilhoso, a impressão de liberdade tão avassaladora que o pastor, sem falar, gritava dentro de si um hino de louvor que mais parecia o vento uivando por entre os penhascos rochosos de silêncio.

Instalou-se o velho pastor e a sua estrela com ele, no céu.

O rei do mundo, porém, ouviu falar naquele velho pastor e na sua estrela fantástica. Mandou emissários à serra: todas as riquezas do mundo daria ao pastor em troca da sua pequena estrela.

O pastor ouviu com atenção o que lhe mandava dizer o rei. Depois, olhou em volta. Tudo eram pedras e rochedos. Uma côdea de pão negro e uma gamela de leite as suas refeições. A sua distracção a paisagem "infindamente" igual e diferente do mundo lá em cima. A sua única amiga, a estrela.

Suavemente, como quem sabe o segredo das palavras e o valor de todos os bens possíveis, virou-se para os emissários do rei do mundo e rejeitou todos os tesouros da terra, escolhendo a pequenez da sua estrela.

Passaram os anos e o velho morreu. Enterraram-no debaixo de uma fraga e nessa noite, estranhamente, a estrela brilhou com uma luz mais intensa. Os pastores da serra notaram essa diferença porque a reconheciam também entre as outras, pelo que o velho lhes contava em certas noites.

E desde então a serra passou a chamar-se, para sempre Serra da Estrela".

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Frei João Sem Cuidados

O rei ouvia sempre falar em Frei João Sem Cuidados como um homem que não se afligia com coisa nenhuma deste mundo.
- Deixa estar, que eu é que te hei-de meter em trabalhos!

Mandou-o chamar à sua presença e disse-lhe:

- Vou dar-te uma adivinha e, se dentro de três dias não me souberes responder, mando-te matar. Quero que me digas quanto pesa a Lua, quanta água tem o mar, e o que é que eu penso?

Frei João Sem Cuidados saíu do palácio bastante atrapalhado, pensando na resposta que havia de dar àquelas perguntas. O seu moleiro encontrou-o no caminho e lá estranhou de ver Frei João Sem Cuidados de cabeça baixa e macambúzio.

- Olá, senhor Frei João Sem Cuidados, então que é isso que o vejo tão triste?

- É que o rei disse-me que me mandava matar se dentro de três dias eu não lhe respondesse a estas perguntas: Quanto pesa a Lua? Quanta água tem o mar? O que ele pensa?

O moleiro pôs-se a rir e disse-lhe que não tivesse cuidados, que lhe emprestasse o hábito de frade, que ele iria disfarçado e havia de dar boas respostas ao rei.

Passados os três dias, o moleiro, vestido de frade, foi pedir audiência ao rei. O rei perguntou-lhe:

- Então, quanto pesa a Lua?

- Saberá Vossa Majestade que não pode pesar mais do que um arrátel, porque todos dizem que ela tem quatro quartos.

- É verdade... E agora: quanta água tem o mar?

Respondeu o moleiro:

- Isso é muito fácil de saber. Mas como Vossa Majestade só quis saber da água do mar, é preciso primeiro que mande tapar todos os rios, porque sem isso nada feito.

O rei achou bem respondido. Mas zangado por ver que Frei João Sem Cuidados se escapava das dificuldades, tornou:

- Agora, se não souberes o que penso, mando-te matar!

O moleiro respondeu:

- Ora Vossa Majestade pensa que está a falar com o Frei João Sem Cuidados, e está mas é a falar com o seu moleiro!

Deixou cair o hábito de frade, e o rei ficou pasmado com a sua esperteza.

O sal e a água

Um rei tinha três filhas; perguntou a cada uma delas por sua vez, qual era a mais sua amiga. A mais velha respondeu:

– Quero mais a meu pai do que à luz do Sol.

Respondeu a do meio:

– Gosto mais de meu pai do que de mim mesma.

A mais moça respondeu:

– Quero-lhe tanto como a comida quer o sal.

O rei entendeu por isto que a filha mais nova o não amava tanto como as outras, e pô-la fora do palácio.

Ela foi muito triste por esse mundo, e chegou ao palácio de um rei, e aí se ofereceu para ser cozinheira. Um dia veio à mesa um pastel muito bem feito, e o rei ao parti-lo achou dentro um anel muito pequeno, e de grande preço. Perguntou a todas as damas da corte de quem seria aquele anel. Todas quiseram ver se o anel lhes servia: foi passando, até que foi chamada a cozinheira, e só a ela é que o anel servia. O príncipe viu isto e ficou logo apaixonado por ela, pensando que era de família de nobreza.

Começou então a espreitá-la, porque ela só cozinhava às escondidas, e viu-a vestida com trajos de princesa. Foi chamar o rei seu pai e ambos viram o caso. O rei deu licença ao filho para casar com ela, mas a menina tirou por condição que queria cozinhar pela sua mão o jantar do dia da boda. Para as festas de noivado convidou-se o rei que tinha três filhas, e que pusera fora de casa a mais nova. A princesa cozinhou o jantar, mas nos manjares que haviam de ser postos ao rei seu pai não botou sal de propósito. Todos comiam com vontade, mas só o rei convidado é que não comia. Por fim perguntou-lhe o dono da casa, porque é que o rei não comia? Respondeu ele, não sabendo que assistia ao casamento da filha:

– É porque a comida não tem sal.

O pai do noivo fingiu-se raivoso, e mandou que a cozinheira viesse ali dizer porque é que não tinha botado sal na comida. Veio então a menina vestida de princesa, mas assim que o pai a viu, conheceu-a logo, e confessou ali a sua culpa, por não ter percebido quanto era amado por sua filha, que lhe tinha dito, que lhe queria tanto como a comida quer o sal, e que depois de sofrer tanto nunca se queixara da injustiça de seu pai.

© Vaz Nunes - Ovar/Portugal

A Última Floresta

Era uma vez uma coelha chamada Flória que vivia com os seus quatro filhotes numa toca funda, fresquinha quando o calor apertava e aconchegadora nos dias em que aquele vento que faz tremer o esqueleto a qualquer ser vivo andava à solta pelos montes e vales das redondezas.

Comida era coisa que raramente preocupava Flória. Bastava sair à porta da sua toca e não lhe faltavam rebentos frescos, tenrinhos, apetitosos a fazerem crescer água na boca a qualquer coelhote mais guloso. Só no fim do Verão, antes das primeiras chuvas, quando a vegetação começava a amarelecer, é que a coelha Flória, depois de tomar as devidas precauções, se aventurava até às hortas dos homens.

Quando voltava, com a barriguita cheia de couves, feijão-verde, alface..., passava pelas brasas em frente à soleira da porta da sua toca. Esta soneca era para ela a mais apetitosa e não a trocava pela melhor coisa deste mundo. Quando acordava passava largos minutos a espreguiçar-se.

Enfim... tinha aquilo a que se costuma chamar uma vida regalada.

Tinha, porque nos últimos dias andava nervosa! Ouvia, cada vez com mais força, um barulho esquisito, estranho, preocupante... lá longe, por enquanto. Este misterioso ruído começou a preocupá-la. Sobretudo porque tinha a certeza que aquele inquietante vrum..., vrum..., vrum..., cada dia se aproximava mais da sua toca.

Naquela tarde não conseguiu fazer a sesta e encontrava-se sentada à porta de casa quando viu a sua vizinha Anafada, uma lebre bem gorducha que media quase tanto de largura como de comprimento e que passava, pachorrentamente, uns metros abaixo. Perguntou-lhe:

— Olha lá, que barulhos infernais são aqueles que se ouvem lá para os lados das hortas?

— Não sei bem. Fui matar a sede ao ribeiro e estava um grupo de raposas debaixo do castanheiro velho, acho que eram aquelas que vivem lá para as bandas do Cabeço, a dizerem, com ar de preocupadas, que vai passar aqui uma estrada muito larga!!!

— O quê?! Bem me dizia o coração que não era nada de bom! Mas tinha fé que não fosse assim tão trágico! O que há-de ser de nós? O que acontecerá aos meus filhos? — disse a coelha Flória com a voz trémula e as lágrimas sustidas a custo.

— Tenho vindo a pensar nisso. E eu que mal me consigo arrastar. Ainda bem que não tenho filhotes. Mas temos de ter calma, alguma solução se há-de arranjar.

— Como?! Não vês que estamos cercados e encurralados por casas, hortas, searas, fábricas, pela barragem... sei lá que mais! Além deste, não conheço outro local onde possamos sobreviver!

— As raposas também estavam a dizer o mesmo! No entanto... talvez alguém mais viajado, mais conhecedor de terras distantes, conheça alguma floresta, ainda que pequena, onde, sem grandes sobressaltos e com poucos perigos, consigamos arranjar um buraco — disse a lebre pondo em prática toda a sua experiência adquirida ao longo da sua já longa vida.

— Deus queira que sim. Olha vou para dentro. Estou tão preocupada, mais pelos meus filhos do que por mim, que nem me apetece conversar. Até amanhã.

— Até amanhã e tem calma — despediu-se também a lebre Anafada.

A coelha entrou e fechou a porta. Quando os seus filhotes sentiram o barulho da fechadura vieram abraçar a mãe. O mais pequenote, de nome Espertezas, que não costumava deixar "fazer o ninho atrás da orelha", perguntou:

— Mamã, por que estás tão nervosa e com os olhos tão vermelhos?

— Vi ali abaixo um cão enorme, quase tão grande como um burro!! — desculpou-se a coelha Flória.

— Não deve ser por isso! Já estiveram muitos cães a farejar e de sentinela à nossa porta e tu nunca tiveste medo! — insistiu o filho Espertezas.

— Mas este cão era muito grande, maior do que um burro!!

— Se era assim tão grande, ficamos mais descansados! — disse o Espertezas com grande calma.

— Porquê? — perguntaram os três irmãos ao mesmo tempo.

— Ora essa! Porque não cabe na porta e não pode entrar aqui dentro — respondeu o Espertezas com ar de grande sábio.

— Tens razão! — disseram os seus irmãos simultaneamente. — Vá, está na hora de ir dormir — interrompeu a mãe, dando a conversa por encerrada.

Os filhotes rapidamente adormeceram mas a coelha não conseguia pregar olho. Pé ante pé, abriu a porta e saiu para a rua. Sem saber onde estava e o que fazia, encostou-se a um pinheiro.

— Boa noite Flória! — esta assustou-se e, sem querer, deu um salto. — Não tenhas medo, sou eu, o teu amigo bufo Noitivanas!

Não é costume andares a esta hora fora de casa!

— Não consigo dormir! A Anafada disse que vai passar por aqui uma enorme estrada e eu não sei para onde hei-de ir com os meus filhos! — lamentou-se a Flória.

— Olha que a lebre tem razão! Pensei que já sabias. As máquinas devem aqui chegar na próxima semana!

A coelha não conseguiu suster mais as lágrimas, rompeu em grande pranto e começou a gritar:

— Ai os meus queridos filhos! Ai os meus queridos filhos!

— O Noitivanas desceu do pinheiro, abeirou-se da sua amiga, passou-lhe a asa pelo focinho e disse-lhe:

— Que é isso?! Não chores! Como sabes eu viajo muito todas as noites. Às vezes vou para uma pequena floresta, a última que ainda existe nestas redondezas e que fica a uma légua para além da última casa. Amanhã fazes as malas e, pela calada da noite, atravessas a povoação e mudas-te para lá com os teus pequenos.

AUTOR: António José H. Ferreira de Condeixa-a-Nova

A raposa e a cegonha

Certo dia de Primavera a comadre raposa convidou a sua amiga cegonha para ir jantar.
A cegonha ao ver servirem o jantar em pratos tão rasos queixou-se:
- Ó comadre raposa, assim eu não como nada enquanto você enche a barriguinha.
- Ó comadre cegonha - respondeu a raposa, aqui em casa todos lambemos bem, por isso não precisamos de pratos mais fundos.
A cegonha calou-se mas nada pôde fazer. Saiu de casa da raposa esfomeada.
Dias seguintes foi a vez da raposa ser convidada. Mas quando ela viu servir o almoço:
- Que desastre! - queixou-se a raposa. Com este modelo de pratos não consigo comer, mas tu comes.
- Não tenho culpa, cá em casa todos temos o bico comprido.
A raposa calou-se lembrando-se da partida que fizera dias antes.
MORAL DA HISTÓRIA: Não faças aos outros o que não queres
que te façam a ti.

Singularidades de uma rapariga loura

(...)
Macário estava então na plenitude do amor e da alegria.
Via o fim da sua vida preenchido, completo, radioso. Estava quase sempre em casa da noiva, e um dia andava-a acompanhando, em compras, pelas lojas. Ele mesmo lhe quisera fazer um pequeno presente, nesse dia. A mãe tinha ficado numa modista, num primeiro andar da Rua do Ouro, e eles tinham descido, alegremente, rindo, a um ourives que havia em baixo, no mesmo prédio, na loja.
O dia estava de Inverno, claro, fino, frio, com um grande céu azul-ferrete, profundo, luminoso, consolador.
- Que bonito dia! - disse Macário.
E com a noiva pelo braço, caminhou um pouco, ao comprido do passeio.
- Está! - disse ela. - Mas podem reparar, nós sós...
- Deixa, está tão bom...
- Não, não.
E Luísa arrastou-o brandamente para a loja do ourives.
Estava apenas um caixeiro, trigueiro, de cabelo hirsuto..
Macário disse-lhe:
- Queria ver anéis.
- Com pedras - disse Luísa - e o mais bonito.
- Sim, com pedras - disse Macário. - Ametista, granada. Enfim, o melhor.
E, no entanto, Luísa ia examinando as montras forradas de veludo azul, onde
reluziam as grossas pulseiras cravejadas, os grilhões, os colares de camafeus, os anéis de armas, as finas alianças, frágeis como o amor, e toda a cintilação da pesada ourivesaria.
- Vê, Luísa - disse Macário.
O caixeiro tinha estendido, na outra extremidade do balcão, em cima do vidro da montra, um reluzente espalhado de anéis de ouro, de pedras, lavrados, esmaltados; e Luísa, tomando-os e deixando-os com as pontas dos dedos, ia-os correndo e dizendo:
- É feio. É pesado. É largo.
- Vê este - disse-lhe Macário.
Era um anel de pequenas pérolas.
- É bonito - disse ela. - É lindo!
- Deixa ver se serve - disse Macário.
E tomando-lhe a mão, meteu-lhe o anel devagarinho, docemente, no dedo, e ela ria, com os seus brancos dentinhos finos, todos esmaltados.
- É muito largo - disse Macário. - Que pena !
- Aperta-se, querendo. Deixe a medida. Tem-no pronto amanhã.
- Boa ideia - disse Macário - sim senhor. Porque é muito bonito. Não é verdade? As pérolas muito iguais, muito claras. Muito bonito! E estes brincos? - acrescentou, indo ao fim do balcão, a outra montra. - Estes brincos com uma concha?
- Dez moedas - disse o caixeiro.
E, no entanto, Luísa continuava examinando os anéis, experimentando-os em todos os dedos, revolvendo aquela delicada montra, cintilante e preciosa.
Mas, de repente, o caixeiro fez-se muito pálido, e afirmou-se em Luísa, passando vagarosamente a mão pela cara.
- Bem - disse Macário, aproximando-se - então amanhã temos o anel pronto. A que horas?
0 caixeiro não respondeu e começou a olhar fixamente para Macário.
- A que horas?
- Ao meio-dia.
- Bem, adeus - disse Macário. E iam sair. Luísa trazia um vestido de lã azul, que arrastava um pouco, dando uma ondulação melodiosa ao seu passo, e as suas mãos pequeninas estavam escondidas num regalo branco.
- Perdão! - disse de repente o caixeiro.
Macário voltou-se.
- 0 senhor não pagou.
Macário olhou para ele gravemente.
- Está claro que não. Amanhã venho buscar o anel, pago amanhã.
- Perdão! - disse o caixeiro. - Mas o outro...
- Qual outro? - disse Macário com uma voz surpreendida, adiantando-se para o balcão.
- Essa senhora sabe – disse o caixeiro. - Essa senhora sabe.
Macário tirou a carteira lentamente.
- Perdão, se há uma conta antiga...
O caixeiro abriu o balcão, e com um aspecto resoluto:
- Nada, meu caro senhor, é de agora. É um anel com dois brilhantes que aquela senhora leva.
- Eu! - disse Luísa, com a voz baixa, toda escarlate.
- Que é? Que está a dizer?
E Macário, pálido, com os dentes cerrados, contraído, fitava o caixeiro colericamente.
O caixeiro disse então:
- Essa senhora tirou dali um anel. - Macário ficou imóvel encarando-o. - Um anel com dois brilhantes. Vi perfeitamente. - O caixeiro estava tão excitado, que a sua voz gaguejava, prendia-se espessamente.- Essa senhora não sei quem é. E tirou-o dali...
Macário, maquinalmente, agarrou-lhe no braço, e voltando-se para Luísa, com a palavra abafada, gotas de suor na testa, lívido:
- Luísa, dize... - Mas a voz cortou-se-lhe.
- Eu... - disse ela. Mas estava trémula, assombrada, enfiada, descomposta.
E tinha deixado cair o regalo ao chão.
Macário veio para ela, agarrou-lhe no pulso fitando-a: e o seu aspecto era tão resoluto e tão imperioso, que ela meteu a mão no bolso, bruscamente, apavorada, e mostrando o anel:
- Não me faça mal - disse, encolhendo-se toda.
- Macário ficou com os braços caídos, o ar abstracto, os beiços brancos; mas de repente, dando um puxão ao casaco, recuperando-se, disse ao caixeiro:
- Tem razão. Era distracção. Está claro! Esta senhora tinha-se esquecido. É o anel. Sim, sim, senhor, evidentemente... Tem a bondade. Toma, filha, toma. Deixa estar, este senhor embrulha-o. Quanto custa?
- Abriu a carteira e pagou.
Depois apanhou o regalo, sacudiu-o brandamente, limpou os beiços com o lenço, deu o braço a Luísa e dizendo ao caixeiro: «Desculpe, desculpe», levou-a, inerte, passiva, extinta e aterrada.
Deram alguns passos na rua. Um largo sol aclarava o génio feliz: as seges passavam, rolando ao estalido do chicote: figuras risonhas passavam, conversando: os pregões ganiam os seus gritos alegres: um cavalheiro de calção de anta fazia ladear o seu cavalo, enfeitado de rosetas; e a rua estava cheia, ruidosa, viva, feliz e coberta de sol.
- Macário ia maquinalmente, como no fundo de um sonho. Parou a uma esquina. Tinha o braço de Luísa passado no seu; e via-lhe a mão pendente, ora de cera, com as veias docemente azuladas, os dedos finos e amorosos: era a mão direita, e aquela mão era a da sua noiva! E, instintivamente, leu o cartaz que anunciava para essa noite, «Palafoz em Saragoça».
De repente, soltando o braço de Luísa, disse-lhe baixo:
- Vai-te.
- Ouve!... - disse ela, com a cabeça toda inclinada.
- Vai-te. - E com a voz abafada e terrível: - Vai-te. Olha que chamo. Mando-te para o Aljube. Vai-te.
- Mas ouve, Jesus - disse ela.
- Vai-te! - E fez um gesto, com o punho cerrado.
- Pelo amor de Deus, não me batas aqui - disse ela, sufocada.
- Vai-te, podem reparar. Não chores. Olha que vêem. Vai-te!
E chegando-se para ela disse baixo:
- És uma ladra!
E voltando-lhe as costas, afastou-se, devagar, riscando o chão com a bengala.
À distância, voltou-se: ainda viu, através dos vultos, o seu vestido azul.
Como partiu nessa tarde para a província, não soube mais daquela rapariga loura.

Eça de Queirós. 1895/1900

Acabas-te de ler um excerto do conto intitulado
Singularidades de uma rapariga loura,
de Eça de Queirós.

Responde:

1. Macário estava muito feliz porque

a. um anel com dois brilhantes a Macário.

2. Os noivos entraram na ourivesaria

b. quando o caixeiro os chamou.

3. Primeiro, Luísa começou a ver

c. porque Luísa lhe roubara um anel.

4. A seguir, o caixeiro mostrou-lhes

d. o anel de pequenas pérolas no dedo de Luísa.

5. Macário enfiou

e. quando o caixeiro insistiu na ideia do roubo.

6. O anel de pérolas estava

f. que ficava na Rua do Ouro.

7. O caixeiro ficou pálido

g. disse que ela era uma ladra.

8. Macário e Luísa já iam a sair

h. pois Macário partiu sozinho para a província.

9. Macário ficou contraído e colérico

i. uma grande variedade de anéis.

10. Luísa meteu a mão no bolso e mostrou

j. vivia um grande amor.

11. Já na rua, Macário soltou o braço de Luísa e

l. muito largo e, por isso, ficou a arranjar.

12. Assim terminou um grande romance,

m. anéis com pedras.